sexta-feira, 30 de março de 2012

“Revelação” de encher os olhos e os bolsos




Estava em um congresso em Brasília, meio que desavisado, quando o pregador disparou uma “revelação” bombástica:

- Deus me revelou que Ele derramará uma bênção de prosperidade que esse país nunca viu.
Houve chuva de glórias e aleluias na multidão. Em seguida, o reverendo arrematou:

- E Deus revelou mais: que as oito primeiras pessoas que ofertarem R$ 8 mil receberão uma bênção especial como nunca viram antes

Ohhhh!, exclamou a atônita plateia.

Como nenhum dos futuros abençoados se apresentou imediatamente, iniciou-se uma oratória de convencimento, alertando para a GRANDE BÊNÇÃO que os oito afortunados levariam. Segundo o pregador, a oferta seria um exemplo de coragem e, claro, de “fé na palavra profética da revelação sobrenatural” disponível somente a um grupo seleto “de pessoas que não duvidam do poder de Deus”.

Assim, um por um, formou-se o rol dos oito crentes especiais, para alívio do pregador, que passou, então, a investir em desafios menos pomposos. Gradativamente, a oferta foi reduzida para R$ 5 mil, R$ 3 mil, R$ 1 mil..., seguindo a proporcionalidade da bênção e da suposta fé do ofertante. Aos de pouca fé, restou a oferta espontânea, de valor indefinido. A esses, quem sabe, haveria de sobrar um pouquinho de bênção, mesmo depois de tanta gente de fé ter sido generosa e garantido o retorno certo da parte de Deus.

Tem dias – como hoje – que sinto vontade de externar minha inquietação com algumas invencionices que vão, a meu ver, de encontro ao ensinamento bíblico, investindo em falácias de prosperidade financeira. Para quem ainda se deixa convencer pela promessa de dinheiro fácil vindo do céu, limito-me a analisar a tal “revelação” dos tais oito afortunados dos R$ 8 mil. Veja bem: a revelação era a de que os oito que ofertassem o valor estipulado receberiam a bênção especial, certo? O critério da bênção, portanto, era a simples atitude de fé. Ou seja, se eu cresse e ofertasse o valor estipulado, eu receberia a compensação financeira. Sendo assim, estamos falando de um Deus que decidiu abençoar aqueles que tão somente cressem no que o “profeta” dizia. Nesse contexto (ou pretexto), costuma-se usar, isoladamente, a passagem “Credes nos seus profetas e prosperareis” (2 Cr 20:20).

Dessa forma, podemos concluir que não importava ali a índole do ofertante, fosse ele cristão ou não, tivesse uma vida reta ou não, buscasse a Deus ou não, fosse honesto ou não. O fato era que se ele ofertasse o valor revelado, seria abençoado, porque assim afirmou o “profeta” - um certo Mike Murdock, para quem estiver curioso em saber. Em outras palavras, Deus estaria obrigado a abençoar até mesmo um ladrão, um criminoso, ou algo do gênero que decidisse desembolsar os R$ 8 mil.

Para encurtar a conversa, a Bíblia nos revela um Deus fiel a Sua Palavra, não a nosso bolso. Ele soberano, logo, concede dividendos a quem quiser, quanto quiser e se quiser. Se não quiser, não concede. Olho para as Escrituras e concluo que o Senhor não haveria de dar grana a uma pessoa simplesmente por dar. Há sempre um propósito lógico no conceder (e no tirar) do Pai.

Murdock costuma dar o próprio exemplo de vida próspera como prova da fidelidade de Deus com os que ofertam grandes somas em dinheiro. E assim, ele e outros do mesmo time de pregadores da prosperidade seguem ostentando gordas contas bancárias, mansões, aviões, fazendas... e arrebanhando seguidores que esperam enriquecer às custas de ofertas generosas.

Infelizmente, com esse tipo de doutrina - que inclui a fé cega na palavra do líder -, esses pregadores conseguem, por tabela, atingir a imagem de pastores que nada têm a ver com essa postura. Como pastor, sinto-me muitas vezes ofendido ao ser posto no mesmo saco desses caça-níqueis do “evangelho”.

Dia desses, no trabalho, um colega contou uma piada sobre pastor. Ridícula e sem graça, a anedota, claro, rendeu risadas e gozações sobre a forma como os pastores “tiram dinheiro de suas ovelhas”. Não culpo os gozadores. Até porque, há certos fatos diante dos quais o melhor mesmo é rir para não chorar.

Para mim, o ministério pastoral é um privilégio, uma grande responsabilidade e a maior honra que eu poderia alcançar. Apesar das piadas, das críticas e do desrespeito de ocasião, nada disso afeta as minhas convicções. Sigo em frente, com olhar fixo no alvo, que é Cristo, e de bolso vazio – pelo menos até a próxima semana, quando sai o ordenado aqui do jornal. Aleluia!